terça-feira, 5 de abril de 2011

Aos 84 anos, Artur Agostinho aceitou dirigir o "Jornal do Sporting".

Acredita que o trabalho ajuda a viver. Mantém a alegria e o entusiasmo de um principiante, apesar de andar "nisto" há 66 anos. Este é, porventura, um dos segredos de uma carreira tão duradoura. Aos 84 anos, Artur Agostinho adora "ter as células do cérebro em plena actividade": acabou de escrever um policial, que deverá ser lançado na Primavera; participou, como actor, numa série televisiva inspirada no romance Quando os Lobos Uivam, de Aquilino Ribeiro, que se estreará muito em breve no pequeno ecrã; e nos últimos dias de 2005 aceitou dirigir o "Jornal do Sporting", um dos títulos mais antigos do género a nível europeu. Tem consciência de que esta não será uma tarefa fácil, porque a publicação dá prejuízo e se vivem tempos de austeridade para as bandas de Alvalade. Mas não virou a cara ao desafio e ei-lo disposto a trocar as voltas a quem entende que o jornal dos leões tem os dias contados.
"Voltar a dirigir um jornal não estava nos meus horizontes. Já não tenho idade para grandes sacrifícios", confessa-nos. Para quem não saiba, este senhor da rádio e da televisão também se distinguiu na imprensa desportiva: foi director do "Record" durante cerca de 11 anos. "Já tinha saudades", diz, adiantando que "acompanhava a feitura do jornal desde a chegada do texto à tipografia: era ali que fazia os títulos. Gostava de sentir o cheiro das tintas, de assistir à saída do jornal da rotativa. Também ia com regularidade à casa da venda, às seis da manhã, para ver os vendedores trocarem as sobras do número anterior pelos exemplares 'fresquinhos'". As novas tecnologias permitiram grandes avanços no processo de paginação dos jornais: "Agora tudo é feito na redacção", frisa. Não sendo um especialista em informática, fez um esforço para se adaptar aos novos tempos. O computador é uma das suas companhias de eleição.
Jorge Simão
Crê seriamente na recuperação do semanário leonino - "não aceitei este lugar para ser o coveiro do 'Jornal do Sporting'" - embora admita que "a direcção do clube está a estudar todos os cenários" (encerramento da publicação incluído). Em seu entender, a reabilitação do jornal passa pela "criação de conteúdos de interesse sportinguista - que agradem aos antigos sócios, mas que também fidelizem os jovens que estão a chegar ao clube e as mulheres". Artur Agostinho defende a realização de uma grande prospecção junto dos adeptos para conhecer os seus interesses. "É um trabalho demorado, mas que dá frutos", nota. Aposta igualmente num "noticiário desenvolvido das manifestações desportivas em que participam atletas do Sporting (nomeadamente as modalidades menos mediáticas), que pode atrair a atenção dos familiares dos praticantes". Procurará ainda a colaboração pontual de figuras de prestígio da "família sportinguista". "Defendendo intransigentemente os interesses do clube e a verdade desportiva em relação ao Sporting, quero que este combate seja travado em termos éticos. Não podemos esquecer que o desporto é uma competição, não é uma guerra", faz questão de referir. Como tal, propõe-se estabelecer um bom relacionamento com os outros órgãos de comunicação social: "A diversidade de opiniões é saudável, desde que seja assumida civilizadamente e não seja baseada em questões pessoais". Está convencido que uma grande campanha de angariação de assinantes junto dos núcleos do Sporting - em Portugal e nas comunidades de emigração - poderá "minorar a situação deficitária" do jornal.
O nosso decano da comunicação estreou-se na rádio, mas fez de tudo um pouco e de tudo gostou igualmente: jornalismo, cinema, televisão, publicidade, teatro. Nas ondas do éter destacou-se como locutor e relator desportivo, primeiro no Rádio Clube Português, depois na Emissora Nacional, onde ganhou enorme popularidade. Em 1947 fazia a sua primeira incursão no cinema nacional em Capas Negras, contracenando com Amália Rodrigues. Em O Leão da Estrela trabalhou lado a lado com António Silva e Milú, entre outras estrelas de primeira grandeza do nosso panorama artístico. Participou ainda em Sonhar é Fácil, Encontro com a Vida, Dois Dias no Paraíso e O Tarzan do 5º Esquerdo. A experiência no cinema encaminhou-o para o teatro radiofónico e catapultá-lo-ia para a televisão. Em 1957, ano em que arrancou a RTP, Artur Agostinho foi o escolhido para apresentar o primeiro concurso televisivo, Quem Sabe, Sabe. Seguiram-se muitos outros. "Quando me apercebia que um concorrente precisava de dinheiro, tentava ajudá-lo o mais possível, sem que isso se tornasse objecto de crítica por parte dos outros", conta. Fundaria ainda uma empresa de publicidade, "actividade de que gostava imenso, porque fazia apelo à criatividade". Geriu a carreira com pinças. "Quando sentia que a actividade na rádio estava a ser saturante, dedicava-me mais à televisão. Depois aliviava o trabalho televisivo virando-me para a publicidade. O facto de não ser funcionário de nenhuma destas empresas permitia-me algum espaço de manobra", afirma.

A família da bola


Os momentos mais emocionantes que viveu enquanto relator desportivo aconteceram nos anos 60. "Começaram com a vitória do Benfica na Taça dos Campeões Europeus, seguida da vitória do Sporting na Taça das Taças, culminando com o Campeonato do Mundo em Inglaterra, em 1966 (em que Portugal ficou em terceiro lugar). Foram anos de ouro do futebol português", comenta. Eram tempos em que havia grande proximidade entre jornalistas e jogadores: "Ficávamos no mesmo hotel, viajávamos no mesmo autocarro para os estádios, íamos às cabinas saber a constituição das equipas, almoçávamos na mesma sala. Éramos quase uma família", recorda com alguma nostalgia. Esta cumplicidade trouxe-lhe amigos para a vida: Hilário e José Carlos, do Sporting, José Augusto e Simões, do Benfica, entre muitos mais.
Pagaria alto o preço da popularidade. Após o 25 de Abril de 1974, suspeitou-se que teria ligações ao regime deposto, tendo sido preso em Caxias durante três meses "sem culpa formada", frisa. Posto em liberdade em Dezembro de 74, esperou até Agosto do ano seguinte que o chamassem para trabalhar, "mas as pessoas tinham medo de se aproximar de mim. Senti uma mágoa profunda com aquela injustiça". Saiu do país convencido de que não voltaria. Depois de uma estada breve em Paris, rumaria ao Brasil, onde permaneceu seis anos. Foi relações públicas de uma instituição bancária, trabalhou na Rádio Globo do Rio de Janeiro, fundou um título, o "Mundo Esportivo Português". Em Caxias escrevera Até na Prisão Fui Roubado, do outro lado do Atlântico fazia outro opúsculo "ainda a quente", Português sem Portugal. Algures entre o diário e a reportagem, os dois livros depressa esgotaram. "Sou seguidor do lema de Churchill: é sobre as derrotas que se constroem as grandes vitórias. Foi na adversidade que encontrei forças que desconhecia ter dentro de mim", refere.
Regressaria em 1981, disposto a pôr uma pedra sobre o assunto. É convidado a dirigir a informação desportiva da Rádio Renascença, Maria Elisa e Proença de Carvalho desafiam-no a voltar a apresentar concursos na RTP. Refaz os circuitos que anteriormente dominara. Mais tarde, regressará também às séries televisivas pela mão de Filipe La Féria, na Casa da Saudade. Participa na novela Ganância, volta ao seriado em Ana e os Sete, com Alexandra Lencastre e Virgílio Castelo. Em matéria de representação, diz gostar de papéis "que me obriguem a vestir a pele de um personagem que não seja eu". Fã incondicional de ficção, estreia-se como autor em 2003 com Os Abutres. Um ano antes lançara os Ficheiros Indiscretos, "espécie de memórias, mas não lhes chamei assim para não parecer pretensioso". No campo da ficção, "é interessantíssimo constatar que os personagens vão ganhando vida até que se impõem, discutem connosco o seu destino. É uma experiência aliciante". Terminou em Dezembro uma incursão no género policial: "Só falta decidir o título. Sairá lá para Março", adianta.

Parar é morrer


Casado há 53 anos com Maria Teresa, admite que a carreira multifacetada lhe retirou tempo para a família: "Procurei sempre suprir a falta dos momentos que não dei com a força dos momentos que dei", conclui, em jeito de balanço. Não perde um encontro de amigos, seja o grupo Stromp (de que foi presidente durante dois anos), a Velha Guarda (grupo de tertúlia que almoça quinzenalmente na Adega Machado, em Lisboa, e integra perto de uma centena de elementos de vários credos políticos e diferentes filiações clubísticas), ou os "maluquinhos da bola" que se reúnem a meio de semana para discutir a prestação da equipa de Alvalade.
Ciente de que parar é morrer, tem-se mantido activo a tempo parcial. O "Jornal do Sporting" obriga-o agora a um esforço adicional: nada que o preocupe. Artur Agostinho está em grande forma. Até promete dar uma "mãozinha" se o clube de Alvalade seguir as pisadas do Benfica e avançar com um canal de televisão por cabo...

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